sexta-feira, 29 de agosto de 2008

AGRADECIMENTO

Hoje ao abrir meus olhos tive vontade de dar graças, pelo dia que começa, pelo ontem que termina, pelo sol que me aquece. Eu quis agradecer pelo ar que eu não vejo, mas que me dá vida, pelo som dos passarinhos, mas também pelo silêncio, agradecer pelos meus cinco sentidos perfeitos. Posso ver todas as cores, todos os rostos, todas as letras, posso ouvir todos os cânticos, todos barulhos, todas melodias. Posso sentir o frio, o calor, o arrepio, o suave, o macio. Posso sentir o que é doce e o amargo, sentir o aroma, o perfumado. Posso falar e posso calar, cantar e dançar.
Eu hoje quis dar graças pelas batidas incessantes do meu coração em meu peito, pelo fluxo de vida que corre por todos os cantos do meu corpo, graças pela capacidade de pensar, decidir, existir, por correr, andar, por sorrir. Dar graças pelo poder de sentir alegria, tristeza, compaixão, amor, perdão. Quis dar graças pelo vento no cabelo, refrescante, revigorante. Graças por ser livre. Pelos anos, meses, dias vividos, queria dar graças por hoje ser mais um dia que não será comparado a outro.
Quis dar graças pelo que não mereço, porque diante de um mundo tão grandioso sou eu tão pequena, mas tão importante. Diante dos mares, das montanhas, do céu, da lua, que tamanho tenho? Diante de um Deus que de tudo cuida, que chama as estrelas pelo nome, quem sou eu para que me ame tanto? Quis dar graças porque o olhar de Deus sobre mim não cessa, porque o sopro Dele me dá vida, porque Dele vem mais um dia. Quis dar graças porque a esperança ainda existe e eu posso com ela mudar o mundo, ao menos o meu mundo, fazendo dos dias que vivo os planos de Deus cumpridos. Quis dar graças porque tendo nada ainda terei tudo. Hoje, quero somente e humildemente dar graças.
Karina Huerta

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Muito mais do que sonhos

Dez homens prostram-se diante de mim, um a um com seus joelhos trôpegos e cansados, dobram-se diante de quem representaria para eles a esperança de que continuassem vivendo, seus pés caminharam longas distâncias, seus corpos amortecidos pelo cansaço lançam-se diante de mim, como sendo eu quem pudesse lhes salvar a vida. Suas poucas palavras já não lhes saiam pela boca, olhavam-me com temor, imploravam-me com os olhos que eu pudesse dar-lhes o que tanto careciam. Lembranças começam a surgir em meus pensamentos, os olhos são os mesmos que não vejo a tanto tempo, não me engano e penso que diante de mim estão aqueles por quem esperei todos os dias reencontrar novamente.
O silêncio ainda se faz presente, as lembranças me enchem como águas fazendo transbordar cisternas, sinto a profundidade de um poço, sinto a umidade, ouço o eco de mim mesmo pedindo por socorro, ouço passos, vozes, moedas, vejo-me longe daqueles olhos que me fitam dizendo adeus. Aromas, mirra e bálsamo rodeiam-me como que podendo cura-me da dor que lateja, e eu me afasto cada vez para mais longe dos olhos que me acenam, para os olhos que me esquecem, para os olhos que estão agora aqui brilhando diante de mim. Como dez estrelas reluzentes, brilham, como estrelas cadentes ao chão, aqui prostrados rosto em terra estão. Pergunto de onde vieram, e eles deixando o silêncio respondem e confirmam aquilo que eu já entendera. Eram eles, mas seus olhos brilhantes já não puderam reconhecer-me, esqueceram-me e não podem enxergar quem sou por trás de quem me tornei. Contenho as lágrimas, mas as lembranças não cessam, e meus sonhos retornam e acontecem bem diante de mim. O sol, a lua, as estrelas que se ajoelham diante de mim anos antes em sonhos, agora em verdade estão aqui, as estrelas prostradas com seus olhos brilhantes, os molhos de trigo do campo, fracos, porém ostentosos se prostram diante de um trigo que sou eu, tudo como nos sonhos acontece, e me lembro e não esqueço como não esqueci um só dia que tive.
Impedi que eu fosse reconhecido, falei rispidamente, queria saber se ainda eram os mesmos ou se cresceram com o tempo. Interroguei-os sobre sua família, revelaram-me serem todos irmãos e mais um ainda havia, mas outro já não existia. O irmão era eu. Eles mesmos me fizeram não mais existir, mas eu sabia que não era por isso que eu estava ali. A fome se fez grande na terra, e eu posso salvar-lhes da morte, é para isso que eu estou aqui, era por isso que eles estavam ali, tudo era apenas o plano de fundo dos acontecimentos futuros, e a realização dos sonhos passados. Pedi que me trouxessem o outro irmão que ainda lhes resta, precisava ver a outra estrela brilhando diante de mim. Guardei-me para chorar em silêncio, logo saíram, um deles fica como prova de que o outro viria, calei-me. Dias passaram, tempos se foram e vejo denovo os homens lançando seus rostos no chão, curvando-se, uma nova estrela estava ali prostrada entre eles, pergunto como estava seu pai, ouço que ainda vive, questiono se este é o irmão que restava, fazem que sim. Um emaranhado de sentimentos me envolve, um misto de alegria, saudade, tristeza e lembranças me apanha, então corro para um lugar secreto onde posso deixar que as lágrimas rolem, que os rios presos em meus olhos fluam como nascentes, deixo que livre sintam-se as gotas que caem e não retornam.
As lembranças me fazem percorrer os anos antes vividos. O cheiro do balsamo e da mirra parecem ressurgir ao meu olfato, ouço novas moedas tilintando, sinto o cheiro de uma nova terra, os olhos brilhantes se foram, os homens das primeiras moedas se foram, tenho um dono, tenho bens para administrar, lembro da mulher do dono, lembro da capa esquecida, abandonada, penso na fuga, na prisão, na injustiça, sinto o frio, o arrepio, o meu sonho que rodeava meus pensamentos em meus dias e minhas noites, relembro de outros sonhos que não eram meus. Revivo no minuto o esquecimento vivido em anos, vejo outros sonhos que não eram meus, relembro a falta das grades, a esperada liberdade, prestam-me honra, dão-me autoridade e eu estou aqui um molho de trigo de um campo distante, porém nunca esquecido. Enxugo as lágrimas, meus irmãos estavam ali, as lembranças já não me importam, peço que jantem comigo e permaneceram aqui. Na manhã seguinte seguiram, não tardou que voltassem, ajoelhados, os onze imploravam, que lhes poupasse a vida. Neste momento não pude mais suportar, tudo que resisti acabou-se aqui, não pude mais esconder quem sou. Pedi que todos saíssem e os onze ouvissem o que eu tinha a lhes dizer, as lágrimas antes contidas agora jorravam dos meus olhos, tão alto chorei que de tão longe se ouviu minha emocionada melodia, então disse, sou eu, o irmão que não mais existe, aquele a quem venderam ao Egito, não se culpem, não se recriminem, pois para salvar vidas que fui posto aqui, Deus me enviou para lhes dar livramento. Vão a meu pai e tragam-no até mim.
Carruagens se aproximam, a minha vai de encontro as que vinham, as outras param, eu ainda estou longe, parece que o tempo ficou lento, as rodas não podem ir mais rápido, os cavalos não correm tanto, como eu queria chegar tão veloz como um relâmpago do outro lado onde esperando estão os que amo! Avisto o homem de cabelos brancos, muito mais brancos do que antes, lanço-me a correr, sinto o vento que corre comigo, não me importam mais os dias, as horas, as honras, os lamentos, os momentos, estou aqui diante de quem quis estar todo esse tempo dos anos que se foram. Está ali o homem, como a lua e não uma estrela, brilhando diante de mim e tudo que posso fazer é correr para os seus braços, sinto agora o calor do seu abraço, choro, ouço-o chorar, vejo toda minha vida passando diante dos meus olhos, mas seu abraço me consola, como dois feixes de trigo estamos aqui, abraçados balançados pelo vento, fracos, porém feitos fortes. Um dia eu tive um sonho, e por mais que tentassem matá-lo ele não pôde morrer, ainda que pudessem fazer-me esquecê-lo, as lembranças me fariam vencer. O sol, a lua e as estrelas se prostraram e eu já não posso esquecer.
José do Egito
"E disse-lhes: Ouvi, peço-vos, este sonho, que tenho sonhado:Eis que estávamos atando molhos no meio do campo, e eis que o meu molho se levantava, e também ficava em pé, e eis que os vossos molhos o rodeavam, e se inclinavam ao meu molho.Então lhe disseram seus irmãos: Tu, pois, deveras reinarás sobre nós? Tu deveras terás domínio sobre nós? Por isso ainda mais o odiavam por seus sonhos e por suas palavras.E teve José outro sonho, e o contou a seus irmãos, e disse: Eis que tive ainda outro sonho; e eis que o sol, e a lua, e onze estrelas se inclinavam a mim.E contando-o a seu pai e a seus irmãos, repreendeu-o seu pai, e disse-lhe: Que sonho é este que tiveste? Porventura viremos, eu e tua mãe, e teus irmãos, a inclinar-nos perante ti em terra?Seus irmãos, pois, o invejavam; seu pai porém guardava este negócio no seu coração. ...e os irmãos de José chegaram e inclinaram-se a ele, com o rosto em terra.
...Então José lembrou-se dos sonhos que havia tido deles "

Genesis 37:5-11; 42:6,9
Se tiveres um sonho, guarde-o, quando alcançá-lo relembre-o, e saiba que Deus fez com que ele nascesse.
Karina Huerta