quinta-feira, 26 de junho de 2008

Duas crianças, um pão e uma janela.

Abro o jornal, passo os olhos pelas notícias e na penúltima página encontro uma imagem, sem muitos comentários, sem texto, sem crônica ou qualquer coisa que me explicasse o fato da foto ser digna de uma página, apenas um título e um rodapé. Olhei bem o retrato, nele estavam duas crianças, um pão e uma janela, sem pintura, sem reboque, sem grades, apenas uma janela de madeira e vidraças. O pão, as crianças comiam, cada uma tinha um pedaço, talvez fosse apenas um pão partido ao meio que as duas dividiam. Como emolduradas pela janela estavam as crianças olhando para o lado de fora, e ao fundo uma cortina impedia que víssemos o que por trás dela havia. Quanto aos seus olhos não consigo explicar o que transmitiam: curiosidade, preocupação, espanto, desconfiança, alegria? Não, alegria não era, disto tenho certeza, os olhos não sorriam, as sobrancelhas estavam franzidas, e nenhum brilho no olhar existia. Parecia que esperavam, com impaciência, com descrença, mas esperavam, a janela me dizia.
Peguei-me indagando o que a cortina esconderia. Seria uma família, uma casa simples, um jarro de água, um pouco de pão? O barulho, o silêncio, a discussão? Um rádio, um calendário, pessoas felizes, sorridentes, olhares tristes, descontentes? Encontraríamos sonhos, ou eles estariam do outro lado da cortina?
O que as crianças observavam também não nos foi revelado, apenas posso imaginar o que seus olhos atentos encontravam. Pessoas caminhando nas calçadas, homens e mulheres indo e vindo em passos rápidos, alguns olhavam para baixo, outros caminhavam e conversavam. Seus olhos eram como o daquelas da janela, não sorriam, não brilhavam, mas esperavam. Janelas existiam muitas, algumas estavam fechadas, trancadas, outras abertas, escancaradas, alguns como as crianças, através dela observavam. Portas são para os amigos e convidados, para os livres, que entram e saem por elas. Janelas são para os sonhadores, os solitários, os que esperam.
Muito além de uma foto, eu vi um povo, eu vi pessoas com suas vidas escondidas por trás de janelas, esquecidas atrás de cortinas, de paredes frias. Eu vi sonhos abafados pela guerra, vi a paz guardada na esperança por trás do olhar de duas crianças. Eu encontrei a espera em meio à descrença, a impaciência, a inocência. Eu senti o tempo que não passa, a fome que não acaba, a alegria que se atrasa. Eu vi a religião encravada na alma de quem crê num deus que não salva, senão por meio da luta, da dor, da guerra, da morte. Mas não é esta a salvação que se espera. Eu vi o que eles não enxergam, vi, e não posso cegar derrepente, indiferente. Mas quem se importa? Quem bate a essas portas, quem acena para tais janelas? As crianças crescem, mudam de casas, de janelas, mas seus olhos serão os mesmos, seus filhos partilharão um mesmo pão, esperando além das cortinas por alguém que lhes traga salvação. E suas fotos no jornal estarão, na ultima página estampadas, em meio a notícias de moda e televisão, sem texto, sem comentário, sem explicação, apenas nos fazendo lembrar que elas existem e ainda ali esperando estão.

EPÍLOGO

A foto mostra crianças à janela na cidade de Cabul, Afeganistão. No mesmo dia em que foi publicada, aos 17 de junho de 2008, integrantes do grupo Taleban (o mesmo responsável pelos atentados aos EUA em 11 de setembro de 2001) explodiram a entrada da principal prisão da cidade de Kandahar, no sul do país, onde centenas de militantes estavam presos. Mil prisioneiros, incluindo 400 membros do Taleban, escaparam da prisão. Sete carcereiros morreram. Por causa da fuga em massa, a Otan e o exército afegão foram forçados a enviar tropas de reforço à cidade.
Os Talebans foram expulsos do poder no Afeganistão por uma coalizão internacional liderada pelos EUA. Desde então, eles organizam um movimento de insurreição no país.
Fonte: Jornal Metrô/SP
Deus tenha misericórdia de nós e nos abençoe; e faça resplandecer o seu rosto sobre nós (Selá.)
Para que se conheça na terra o teu caminho, e entre todas as nações a tua salvação.
Louvem-te a ti, ó Deus, os povos; louvem-te os povos todos.
Alegrem-se e regozijem-se as nações, pois julgarás os povos com eqüidade, e governarás as nações sobre a terra. (Selá.)
Louvem-te a ti, ó Deus, os povos; louvem-te os povos todos.
Então a terra dará o seu fruto; e Deus, o nosso Deus, nos abençoará.
Deus nos abençoará, e todas as extremidades da terra o temerão.
(Salmos 67)
Karina Huerta

5 comentários:

Luilton disse...

É uma excelente análise da fotografia.

Ótimo blog.

P.s: Curioso, pedi à minha sobrinha de 8 anos para interpretar a foto e ela disse que se tratava de duas meninas que estavam comendo pão e olhando o movimento na janela talvez escondida dos pais..

Yussef disse...

Muito bom o ritmo do teu blog.
Expressivo e belo.
Parabéns

Unknown disse...

Texto muito legal mesmo, Karina....
Achei muito bom o desenvolvimento dele e a forma como vc passou cada informação...Glória a Deus, parabéns.

Michael

Cintia Lemos disse...

Amiga!
Já passei aqui correndo algumas vezes mas dessa vez deu pra deixar comentário... Muuuuito lindo o texto! Tu sabe mesmo transformar pensamentos e sentimentos em palavras... nem vou ficar mais dando parabéns pq dá vontade de elogiar todos os textos... rsrs

Te amo, linda =)

Anônimo disse...

Ka, estou realmente impressionada com seus textos, lindos! Cheios de vida! Glória a Jesus por esse dom, que tu possas usá-lo sempre pra honra e glória Dele...

te amo lindona =)

Cris